Jornal: Cadafalso
Cidade: São Paulo/SP
Data:
02/Maio/2006


Imprensa
 
   
 

Izabel Padovani canta os triunfos do "Desassossego"
ARTHUR NESTROVSKI
Articulista da FOLHA

Abrir o disco cantando "Circuladô de Fulô" seria um gesto de loucura, se não fosse de sabedoria. Que uma e outra coisa se tocam é um dos temas, aliás, da insólita canção de Caetano Veloso, que devolve o texto das "Galáxias" de Haroldo de Campos à sua condição musical de origem. É esse repente transcendental sobre o "circulador de flores" que se reinventa agora na versão de Izabel Padovani, chegada triunfalmente de volta ao país, depois de quase dez anos na Áustria.

Falar em triunfo não é exagero, para quem ganhou o Prêmio Visa em 2005. A produção do novo disco, "Desassossego", consagra outras interpretações que Izabel cantou durante o concurso, como "Frevo Diabo" (Edu Lobo/Chico Buarque) e "Retalhos de Cetim" (Benito di Paula). Que essas duas possam estar lado a lado só faz sentido dentro da trama que a cantora foi capaz de tecer, alinhavando tudo com o fio da voz.

O disco consagra ainda os instrumentistas que a acompanham, com destaque para o pianista Marcelo Onofri, com quem ela vem trabalhando desde a década de 80, e destaque todo especial para o baixista Ronaldo Saggiorato, um virtuose do baixo de seis cordas, seu parceiro no corajoso disco "Tons", que a dupla lançou no ano passado (selo Gillard).

Na cronologia coincidental das coisas, "Tons" virou um prefácio interessantíssimo para o "Desassossego". No segundo, é como se explodisse boa parte da carga musical do primeiro, favorecida ainda pelas artes do clarinetista Anderson Alves, da violoncelista Lara Ziggiati, do acordeonista Alessandro Kramer e do baterista Nenê. Alguém vai reclamar dos interlúdios jazzísticos, mas cabe ver aí um impulso de mudança nos moldes da relação entre canto e acompanhamento, justificado pelo nível instrumental a que se chegou nessa música popular de câmara. A voz de Izabel, de sua parte, já é um capítulo da nossa música popular, com seu registro acastanhado de meio-soprano e sua ciência do que são vogais e consoantes.

Num e noutro disco, ela gravou parcerias dos portugueses Mário Laginha e Maria João. No disco novo, foi a vez de "Pés no Chão", um "tour-de-force" da prosódia, que arrebata os ouvidos com sua etnolíngua imaginária ("pári todos os di á dê sum ná"), dizendo tudo o que é preciso para que se entenda o que não é preciso dizer.

O CD inclui ainda coisas como o "Dueto" de Chico Buarque, que ela canta com Renato Braz: a língua brasileira circulando flores muito além do que pode sugerir o arranjo das cordas. Pena que nem tudo tenha o mesmo acento de inevitabilidade, num disco que quer definir um repertório pessoal. Mas a aposta é boa e os achados sustentam, com sobra, os perdidos.

O disco termina na "Suissa", sem acento e com dois "ss", como pede a letra do velho samba de Janet de Almeida e Haroldo Barbosa. "Vielen dank für die Blumen", diz um verso no fim: "Muito obrigado pelas flores" -flores que amarram o irônico laço na ordem circular do disco. E a gente então volta a "Circuladô de Fulô", para continuar, de imediato e para sempre, escutando a cantora que voltou do frio.

Desassossego
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Artista: Izabel Padovani
Lançamento: Eldorado
Quanto: R$ 30, em média

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Última atualização em 20 de janeiro de 2010