Izabel
Padovani canta os triunfos do "Desassossego"
ARTHUR
NESTROVSKI
Articulista da FOLHA
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o disco cantando "Circuladô de Fulô" seria um gesto de loucura,
se não fosse de sabedoria. Que uma e outra coisa se tocam
é um dos temas, aliás, da insólita canção de Caetano Veloso,
que devolve o texto das "Galáxias" de Haroldo de Campos à
sua condição musical de origem. É esse repente transcendental
sobre o "circulador de flores" que se reinventa agora na versão
de Izabel Padovani, chegada triunfalmente de volta ao país,
depois de quase dez anos na Áustria.
Falar
em triunfo não é exagero, para quem ganhou o Prêmio Visa em
2005. A produção do novo disco, "Desassossego", consagra outras
interpretações que Izabel cantou durante o concurso, como
"Frevo Diabo" (Edu Lobo/Chico Buarque) e "Retalhos de Cetim"
(Benito di Paula). Que essas duas possam estar lado a lado
só faz sentido dentro da trama que a cantora foi capaz de
tecer, alinhavando tudo com o fio da voz.
O
disco consagra ainda os instrumentistas que a acompanham,
com destaque para o pianista Marcelo Onofri, com quem ela
vem trabalhando desde a década de 80, e destaque todo especial
para o baixista Ronaldo Saggiorato, um virtuose do baixo de
seis cordas, seu parceiro no corajoso disco "Tons", que a
dupla lançou no ano passado (selo Gillard).
Na
cronologia coincidental das coisas, "Tons" virou um prefácio
interessantíssimo para o "Desassossego". No segundo, é como
se explodisse boa parte da carga musical do primeiro, favorecida
ainda pelas artes do clarinetista Anderson Alves, da violoncelista
Lara Ziggiati, do acordeonista Alessandro Kramer e do baterista
Nenê. Alguém vai reclamar dos interlúdios jazzísticos, mas
cabe ver aí um impulso de mudança nos moldes da relação entre
canto e acompanhamento, justificado pelo nível instrumental
a que se chegou nessa música popular de câmara. A voz de Izabel,
de sua parte, já é um capítulo da nossa música popular, com
seu registro acastanhado de meio-soprano e sua ciência do
que são vogais e consoantes.
Num
e noutro disco, ela gravou parcerias dos portugueses Mário
Laginha e Maria João. No disco novo, foi a vez de "Pés no
Chão", um "tour-de-force" da prosódia, que arrebata os ouvidos
com sua etnolíngua imaginária ("pári todos os di á dê sum
ná"), dizendo tudo o que é preciso para que se entenda o que
não é preciso dizer.
O
CD inclui ainda coisas como o "Dueto" de Chico Buarque, que
ela canta com Renato Braz: a língua brasileira circulando
flores muito além do que pode sugerir o arranjo das cordas.
Pena que nem tudo tenha o mesmo acento de inevitabilidade,
num disco que quer definir um repertório pessoal. Mas a aposta
é boa e os achados sustentam, com sobra, os perdidos.
O
disco termina na "Suissa", sem acento e com dois "ss", como
pede a letra do velho samba de Janet de Almeida e Haroldo
Barbosa. "Vielen dank für die Blumen", diz um verso no fim:
"Muito obrigado pelas flores" -flores que amarram o irônico
laço na ordem circular do disco. E a gente então volta a "Circuladô
de Fulô", para continuar, de imediato e para sempre, escutando
a cantora que voltou do frio.
Desassossego
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Artista: Izabel Padovani
Lançamento: Eldorado
Quanto: R$ 30, em média
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